17.9.11

Resposta aos peruanos: Mistura, Gastón Acurio e o que escrevi na Folha

Anticuchos de coração de vaca, no Mistura, em Lima


Levar pedrada faz parte de meu trabalho e não é a primeira vez que acontece. Mas confesso que desta vez impressionei-me com a quantidade de peruanos que escreveram por aí - em cartas à Folha, em comentários neste e em outros blogs, no Twitter, etc. - reclamando de coluna que escrevi para o Folha Comida de umas semanas atrás.

Se não fui direto ao ponto antes, foi pura e simplesmente por uma questão de prioridades e fala de tempo. Fui a Lima para trabalhar, comer, falar com chefs, reportar. E não podia deixar de testemunhar coisas importantes, que não se repetiriam, ou de provar pratos do chef y ou z, para dedicar o pouco tempo que tinha em Lima a controvérsias.




Melhor dizendo: não me pronunciei neste espaço, porém dei entrevista ao jornal peruano El Comercio em que já deixo claro - no mais pavoroso portunhol e com profundas olheiras! - o que penso de Gastón Acurio e dos rumos da gastronomia peruana.

Agora, de volta a casa, posso dar maiores esclarecimentos aos meus leitores, na minha língua - sempre mais fácil, não é?

Creio que meu erro tenha sido o uso da palavra paiseco, que para mim não tem um significado  pejorativo como tem para muitos. Por isso, peço desculpas a todos que se sentiram insultados.

Ferran Adrià, de cinza, e Gastón Acurio, à sua esq. andando pela feira Mistura


Mas qualquer leitor atento verá, ao ler o texto até o fim, que eu queria apenas dizer que em certas coisas, como por exemplo, tamanho geográfico, o Peru é menor do que o Brasil. Bem menor. Mas que em outros aspectos, é maior.

As chefs Morena Leite e Flávia Quaresma no Mistura

O Peru, afinal de contas, conseguiu fazer grandíssimos avanços na esfera gastronômica. Para mim, e para muitos, trata-se de um pequeno gigante, que - espero! - servirá para dar um exemplo ao Brasil, onde brasilidade e conhecimento e valorização de produtos nativos ainda são um papo que alcança apenas a elite. O brasileiro médio acha que açaí só é aquela coisa roxa geladinha que surfista come com granola. O brasileiro médio não tem ideia do que sejam tucupi, xibé, arroz de cuxá, pequi. Ainda engatinhamos, enquanto o Peru navega de vento em popa rumo ao reconhecimento internacional porque seu povo entende mais da sua própria cozinha.



Disse isso, em outras palavras, na Folha:

"Taí o porquê da ascenção dos peruanos: todos jogam no time de Acúrio para forjar a imagem do Peru
 gastronômico. Restaurantes típicos abundam. Taxistas e lojistas conhecem a herança à
mesa e orgulham-se dela. O governo investe. E aqui?

Assisti uma palestra do fotógrafo Pedro Martinelli, em evento gourmet em São Paulo. Clamou
 emocionado pela preservação das tradições indígenas de trato da mandioca, mas não havia
 mais do que 20 pessoas na plateia. Nossos fóruns gastronômicos custam caro e falam para poucos.

Já o Mistura, em Lima, orquestrado por Acúrio, deverá atrair cerca de 300 mil visitantes em setembro.
Famosos como Alex Atala, René Redzepi e Ferran Adrià darão aulas e assinarão um manifesto.
Será grande o impacto. Não só por estar ali a nata dos chefs estrelados mas também por se
 tratar de uma feira vasta, democrática e farta em comidas, feita pelo povo e para o povo.

Esse Peru exuberante, exótico e exibido rodará o mundo em imagens enquanto assistimos de camarote."








A coluna era, em suma, uma crítica ao MEU país, e não ao Peru. Era meu modo de expressar uma vontade de que MEU povo apreciasse mais sua herança culinária, como faz o povo peruano. Que o governo ajudasse, facilitando a vinda de jornalistas gastronômicos ao Brasil, e a participação em fóruns internacionais dos nossos chefs - sem esse intercâmbio, a coisa jamais pegará embalo. E que os eventos gastronômicos do Brasil fossem inclusivos, democráticos e impactantes como o Mistura.

Onde havia um elogio, enxergou-se uma crítica. Eis aí a pena.



Que deixemos de lado picuinhas e vejamos o positivo: hoje avança o Peru, avança o Brasil e avança a gastronomia sul-americana. E ponto!



E mais Mistura e Gastón Acurio neste blog:

E mais:
Passeio virtual pelo Mistura: série de vídeos dos vendedores de comidas feita pelo jornal peruano El Comercio
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